O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Qual a importância da Engenharia Biomecânica?

06/04/2021 09:08

Por: M.e. Eng. Lucas Kurth de Azambuja

O que é a Engenharia Biomecânica?

 

Uma definição da Universidade de Stanford  associa a Engenharia Biomecânica ao uso combinado de princípios de Engenharia Mecânica e conhecimentos de Biologia para entender melhor como estas áreas podem ser usadas juntas para aprimorar a qualidade de vida das pessoas[1].

Corpo e máquina

 

Ao avaliarmos o corpo humano como uma máquina, temos mecanismos e articulações que funcionam 24h por dia, 365 dias por ano e durante aproximadamente 72 anos.

Estima-se que um humano ativo realiza cerca de 13 mil passos por dia, em 72 anos ele dará 340 milhões de passos, ou seja, 170 milhões de rotações em cada joelho ou quadril. Considerando-se que a passada humana tem 0,3 metros, andamos cerca de 102 mil  quilômetros durante a vida.

Algumas máquinas como carros são levadas para revisão a cada 10 mil quilômetros e, em algumas situações, há a necessidade de troca de componentes mecânicos e elétricos. Em algumas situações, nós humanos”, também necessitamos de troca de partes após uma longa “rodagem”.

fonte: https://planetabiologia.com/biomecanica/

Envelhecimento da população e a necessidade de implantes

 

A expectativa humana tem aumentado com o auxílio dos avanços da medicina. Em 1950, a expectativa de vida era de 52 anos, hoje a ela gira em torno de 72 anos [2]. Esse aumento do tempo de vida, no entanto, trouxe algumas limitações. Doenças como artrite, osteoporose, dentre outras, fazem com que nossas articulações percam lubrificação e se degenerem [3].

Quando essa degeneração se encontra em um ponto avançado, há duas opções: (1) não se locomover mais e depender do auxílio de uma cadeira de rodas ou de um andador, ou (2) realizar uma artroplastia, a substituição parcial ou total da articulação por um implante [3].

Fonte: https://orthoinfo.aaos.org/pt/treatment/artroplastia-total-de-quadril-total-hip-replacement/

 

Implantes: ciência e engenharia imitando a natureza

 

O implante é um dispositivo desenvolvido e fabricado para substituir articulações, ossos ou cartilagens devido a um dano ou deformação – como uma perna quebrada ou um defeito congênito [4].

 

Quais os aspectos de desenvolvimento?

 

  • Biomecânica articular

Nossas articulações envolvem movimentos complexos, com alto grau de liberdade e conectados a ligamentos e músculos que realizam forças opostas a fim de equilibrar o conjunto.

Por exemplo: o quadril é uma articulação esférica formada pela cabeça do fêmur conectada à cavidade pélvica chamada de acetábulo (articulação bola em soquete). Para que não haja contato de um osso com outro, a cabeça femoral e o acetábulo são revestidos com cartilagem.

O labrum acetabular é uma estrutura fibrocartilaginosa que circunda o acetábulo, aumentando a cobertura da cabeça femoral, estabilizando melhor o quadril e mantendo a pressão hidrostática intra-articular.

O líquido sinovial “lubrifica” a articulação, que é delimitada pela cápsula articular. Esta também auxilia na estabilidade e restrição da amplitude de movimento do quadril. Este sistema conta com a ação conjugada de três ligamentos: ligamento iliofemural que limita a rotação do fêmur em torno de seu eixo logitudinal, o ligamento pubofemural, que restringe a abdução do quadril e o ligamento isquiofemural, que limita a rotação medial do quadril[5].

Além da anotomia deve se entender os movimentos que o par realiza. O quadril realiza seis movimentações diferentes com diferentes graus de movimentação: flexão, extensão,adução, abdução, rotação medial e rotação lateral [6].

https://www.kenhub.com/pt/library/anatomia/quadril-anca-e-coxa

 

Patrizzi, L. J., Vilaça, K. H. C., Takata, E. T., & Trigueiro, G. (2004). Pre-and Post-Surgery analysis of functional capacity and quality of life of patienst with Osteoarthritis submitted to Total Hip Artroplasty. Revista Brasileira de Reumatologia, 44(3), 185-191.

 

  • Biomateriais

Os primeiros materiais utilizados nas primeiras cirurgias com implantes, eram rudimentares, sem conhecimento sobre a interação com o corpo humano. O paciente geralmente ia a óbito devido a alguma infecção ou até mesmo por envenenamento causado pelo material. Ainda, havia o uso de matérias naturais como o marfim, mas com propriedade limitadas [4].

Isso deu abertura ao desenvolvimento de uma nova modalidade de materiais, os biocompatíveis, que são inertes ou que se integram ao corpo.

Exemplo: materiais cerâmicos possuem inércia química em sua superfície fazendo com que o corpo não reaja e não rejeite o implante. Já o Titânio possui propriedade de osseointegração, que faz com que o osso se integre ao metal[4].

Kim, Jun-Sik, et al. “Nanoscale bonding between human bone and titanium surfaces: osseohybridization.” BioMed research international 2015 (2015).

  • Projeto de implantes cirúrgicos

Tendo os conhecimentos dos movimentos e esforços dos pares estudados, além do material a ser utilizado, se necessita de um design que se adapte ao espaço, exigências e propriedades do material escolhido. Nesse ponto, o engenheiro biomecânico elabora o projeto dos implantes com base nos conhecimentos de engenharia, analisa o design por meio de simulações numéricas computacionais, faz protótipos e testa em laboratório até ter a aprovação para uso in vivo.

Implantes hoje

 

Em uma comparação com 50 anos atrás e atualmente, novos designs e materiais permitiram próteses com menos rejeição e mais tempo in vivo aumentando o tempo entre as revisões e melhorando a qualidade de vida do paciente [4].

Atualmente, o par mais utilizado para cirurgias de artroplastia de quadril é o par cabeça metálica e inserto acetabular polimérico, devido ao baixo custo e alta eficiência [7].

Outros pares tribológicos também têm aparecido no mercado como cabeças femorais e insertos acetabulares cerâmicos e a combinação destes em pares metálicos e poliméricos [7].

Hu, C. Y., & Yoon, T. R. (2018). Recent updates for biomaterials used in total hip arthroplasty. Biomaterials research, 22(1), 1-12.

O que está por vir?

 

Apesar dos grandes avanços na tecnologia de implantes de articulação, o Santo Graal da cirurgia de implante de articulação ainda não foi alcançado: um implante verdadeiramente duradouro em um indivíduo jovem e ativo.

Os problemas atuais que contribuem para a falha do implante incluem os enigmas da interface (falta de osseointegração) e infecção do implante[8].

Visando alcançar o ótimo dos implantes, tem se investido altos valores nas pesquisas de melhorias nos implantes, como algumas citadas abaixo:

  • Superfícies bioativas

Essa abordagem visa a criação de uma superfície bioativa no implante por meio da aplicação de revestimentos por técnicas baseadas em bioquímica e físico-química.

Em técnicas bioquímicas, moléculas orgânicas tais como fatores de crescimento, peptídeos ou enzimas são incorporadas à superfície do implante para causar as respostas celulares específicas.

Em técnicas físico-químicas, a incorporação é alcançada com fases inorgânicas, como fosfato de cálcio, o que pode aumentar o bloqueio bioquímico entre proteínas da matriz óssea e materiais de superfície, melhorando assim a ligação óssea [8].

  • Manufatura sob medida

Além de mudanças de superfície, empresas têm investido na área de manufatura dos implantes. As empresas têm concentrado seus esforços para desenvolvimento de implantes manufaturados por impressão 3D, sob medida, a um baixo custo e uma velocidade competitiva de entrega[9][10].

 

https://orthostreams.com/2018/07/an-engineering-review-of-surfacing-technologies-in-3d-printing-for-orthopedic-implants/

  • Próteses inteligentes

Projetos mais audaciosos visam a aplicações de implantes inteligentes para a artroplastia de joelho, artroplastia de quadril, fusão da coluna vertebral, entre outros.

Os implantes ortopédicos inteligentes podem ser usados ​​para medir parâmetros físicos de dentro do corpo, incluindo pressão, força, tensão, deslocamento, proximidade e temperatura.

Os dados coletados por esses implantes podem agilizar um diagnóstico de falha, além de fornecer dados importantes para o desenvolvimento da tecnologia de implantes[11][12].

O’Connor, C., & Kiourti, A. (2017). Wireless sensors for smart orthopedic implants. Journal of Bio-and Tribo-Corrosion, 3(2), 20.

Sobre o autor

 

M.e. Eng. Lucas Kurth de Azambuja

Lucas Kurth de Azambuja é Mestre e Engenheiro de Materiais, formado pela UFSC, especializado na área de polímeros. Também realizou intercâmbio para França na École Nationale d’ingénieurs de Saint-Étienne e estagiou na École de Mines de Saint Étinne. Desde 2017, Lucas é bolsista no Laboratório de Engenharia Biomecânica, onde realizou seu trabalho de conclusão de curso focado no estudo de degradação de implantes mamários. Posteriormente realizou sua dissertação, também no laboratório, focado na análise de insertos acetabulares após uso em in vivo. Hoje é resposável pela execução das análises poliméricas do laboratório, além de colaborar no projeto do Centro Nacional de Explantes.

 

 

 

Referências

[1]      Stanford, “Biomechanical Engineering FAQ | Mechanical Engineering,” 2021. https://me.stanford.edu/groups/biomechanical-engineering-program/biomechanical-engineering-faq (accessed Mar. 22, 2021).

[2]      Banco Mundial, “WDI – People,” 2021. https://datatopics.worldbank.org/world-development-indicators/themes/people.html (accessed Mar. 22, 2021).

[3]      D. S. De Oliveira, “ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA DE PACIENTES SUBMETIDOS À PRÓTESE DE QUADRIL – AVALIAÇÃO DO BANCO DE DADOS DE UMA OPERADORA DE SAÚDE DO ESTADO DO PARANÁ,” PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ, 2009.

[4]      J. Y. Wong and J. D. Bronzino, BioMaterials. Taylor & Francis Group, 2007.

[5]      Kenhub, “Anatomia do Quadril (Anca) e Coxa,” 2021. https://www.kenhub.com/pt/library/anatomia/quadril-anca-e-coxa (accessed Apr. 05, 2021).

[6]      L. Jorge Patrizzi, K. Helena Coelho Vilaça, E. Takehiro Takata, and G. Trigueiro, “Pre-and Post-Surgery Analysis of Functional Capacity and Quality of Life of Patienst with Osteoarthritis Submitted to Total Hip Artroplasty,” 2004.

[7]      P. Sharplin, M. C. Wyatt, A. Rothwell, C. Frampton, and G. Hooper, “Which is the Best Bearing Surface for Primary Total Hip Replacement? A New Zealand Joint Registry Study,” no. April 2018, 2017, doi: 10.5301/hipint.5000585.

[8]      W. Wang, Y. Ouyang, and C. Khoon Poh, “Orthopaedic Implant Technology: Biomaterials from Past to Future,” 2011.

[9]      H. Patel, “How Stryker Hopes to Win with Additive Manufacturing – Technology and Operations Management,” 2018. https://digital.hbs.edu/platform-rctom/submission/how-stryker-hopes-to-win-with-additive-manufacturing/ (accessed Apr. 05, 2021).

[10]    Orthostreams, “An Engineering review of surfacing technologies in 3D Printing for orthopedic implants |.” https://orthostreams.com/2018/07/an-engineering-review-of-surfacing-technologies-in-3d-printing-for-orthopedic-implants/ (accessed Apr. 05, 2021).

[11]    C. O’Connor and A. Kiourti, “Wireless Sensors for Smart Orthopedic Implants,” Journal of Bio- and Tribo-Corrosion, vol. 3, no. 2. Springer International Publishing, Jun. 01, 2017, doi: 10.1007/s40735-017-0078-z.

[12]    E. H. Ledet, B. Liddle, K. Kradinova, and S. Harper, “Smart implants in orthopedic surgery, improving patient outcomes: a review HHS Public Access,” Innov Entrep Heal., vol. 5, pp. 41–51, 2018, doi: 10.2147/IEH.S133518.

 

Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga. Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga.