O ESTUDO DA ENGENHARIA BIOMECÂNICA NO TRATAMENTO DE LESÕES
Nesses meses de julho e agosto, o mundo esteve voltado para as olimpíadas de Tokyo, assistindo performances atléticas que tentam romper os limites do corpo humano. Apesar de impressionante, esses esforços físicos cobram um preço no corpo do atleta e que até pouco tempo atrás, poderia significar o fim de sua carreira.
Como estudo da engenharia biomecânica se relaciona com esses atletas?
O estudo da engenharia biomecânica não se relaciona apenas ao desenvolvimento de próteses e implantes, mas também a técnicas cirúrgicas menos invasivas e mais confiáveis para melhor reabilitação do atleta. A exemplo, no início do século passado, um rompimento do ligamento cruzado podia representar o fim da carreira de um atleta, hoje após passar por um procedimento de reconstrução, o atleta pode retornar aos treinos em poucos meses.

Fonte: https://www.ortesp.com.br/index.php/especialidades/quadril/lesao-do-labio-do-quadril
Quais tipos de lesão um esportista pode estar exposto?
Acelerações e desacelerações abruptas, presente em esportes como futebol, tênis, dentre outros, tem tendência a lesionar as fibras musculares e consequentemente diminuindo a sustentação das articulações e assim gerando problemas de desgaste na articulação.

Fonte: http://www.ivot.com.br/portal/index.php/blog/91-desaceleracoes-bruscas-no-esporte-podem-causar-tendinite-patelar
Outra lesão comum do futebol são as torções e rompimento dos ligamentos. O uso de chuteira com travas possibilita o atleta maior fixação ao chão, porém, ao mesmo tempo que isso traz vantagens quanto ao equilíbrio e agilidade, o mesmo impede que a rotação do quadril se transmita para a perna podendo causar uma torção do joelho ou do tornozelo.

Fonte: https://www.uol.com.br/esporte/reportagens-especiais/lesao-que-quase-acabou-com-carreira-de-ronaldo-fenomeno-completa-20-anos/
Movimentos inadequados que ultrapassam o limite de rotação das articulações é outra forma de geração de lesão, presente em esportes como levantamento de peso e mais recentemente no Crossfit. Esses movimentos podem ocasionar em lesões no labrum e menisco. Em caso de vazamento de líquido lubrificante pode ocasionar em um desgaste da articulação.

Fonte : https://institutofuchs.com.br/cuidado-com-o-agachamento-para-evitar-problemas-no-joelho/
Pessoas que decidem começar a correr por conta própria, geralmente não possuem o reforço muscular necessário para essa atividade. A falta deste reforço muscular pode acarretar em um carregamento cíclico do osso ou da articulação e por consequência uma fratura por estresse ou um desgaste de cartilagem. Uma lesão comum entre corredores amadores é a fratura de tíbia.
Além disso, esportes de alto impacto podem causar contusões ou fraturas. Um reforço muscular pode amortecer parte destes impactos, porém em algumas situações são imprevisíveis.

Fonte: http://sportv.globo.com/site/combate/noticia/2013/12/anderson-silva-sofre-fratura-exposta-em-chute-e-weidman-mantem-o-titulo.html
Quais esportes tem mais chances de lesão?
Em uma revisão sistemática realizada por Parkkari et al[1], o autor avaliou esportes com maior índice de lesão, contabilizando quantas lesões eram somadas após 1000 horas de atividade de todos os praticantes, no entanto, o estudo não detalhou ou grau da lesão. Sendo assim lesões simples tem o mesmo impacto que lesão graves.
Squash (Taxa de lesão de 18.3 por 1000 horas)
A lesão mais frequente e que compromete por vezes com bastante significado a função ao atleta, é sem dúvida a epicondilite, vulgarmente mais conhecida por “cotovelo do tenista”. É a paradigmática lesão de sobrecarga e resulta da solicitação excessiva e repetitiva na sua inserção óssea e no tempo, dos músculos extensores dos dedos e do punho, particularmente durante o batimento da bola na raquete[2].

https://bosssquash.com/blog/squash-injury-prevention/
Judô (Taxa de lesão de 16.3 por 1000 horas)
No que se refere ao tipo de lesão da prática do judô a maior incidência são as de luxações 25,27%, lesões musculares 13,18 %, entorses 12,9 %, fraturas 12,9%, contusões 9,9% e tendinites 2,2 %, porém Carvalho 2015 analisou que a maior prevalência foi de entorse 36,3% seguida de ruptura 17,3 %, contusão 16,1 % e fratura 12,7%. O fator determinante do tipo de lesão, é, se o praticante está em pé ou em solo.[3]
Basquetebol (Taxa de lesão de 9.1 por 1000 horas)
Um estudo realizado por Andreoli et al[4], revisou de 1999-2013 todas as cirurgias ortopédicas realizadas em atletas de basquete até 40 anos, atendidos no CETE – Centro de Traumato-Ortopedia do Esporte –UNIFESP, Seleção Brasileira (2003-2010) e clínica privada O procedimento cirúrgico na articulação do joelho foi a mais realizada (40%), sendo 60% reconstrução do ligamento cruzado anterior joelho, seguida da lesão meniscal 30% e da tendinite patelar com 10%, as principais afecções operadas. A segunda articulação mais operada foi a articulação do tornozelo e pé (25%), sendo as afecções mais submetidas a cirurgias: a lesão ligamentar do tornozelo(45%), seguida da fratura do 5º metatarso (25%) e lesão do tendão do tendão de Aquiles (25%).
Futebol (Taxa de lesão de 7.8 por 1000 horas)
Estudo realizado por Simionato[5], afirma uma análise epidemiológica das lesões em atletas de futebol profissional do Sport Clube do Recife, constatou-se que em 49 lesões ocorridas em atletas participantes desta pesquisa, os membros inferiores obtiveram 75,51% de prevalência em relação às demais partes do corpo; nos membros inferiores, a coxa demonstrou uma incidência de 40,81%, seguida do joelho (16,31%) e do tornozelo (12,24%); outro dado interessante desta pesquisa foi em relação ao diagnóstico, onde as lesões musculares (51,02%) tiveram a maior freqüência, ganhando para as ligamentares (28,57%) e as por trauma direto (12,24%).
Abaixo, outros esportes e suas taxas de lesão.
Voleibol (Taxa de lesão de 7.0 por 1000 horas)
Karatê (Taxa de lesão de 6.7 por 1000 horas)
Tênis (Taxa de lesão de 4.7 por 1000 horas)
Aeróbico, Ginástica, Musculação (Taxa de lesão de 3.1 por 1000 horas)
Ciclismo (Taxa de 2.0 por 1000 horas)
Remo (Taxa de lesão de 1.5 por 1000 horas)
Natação (Taxa de lesão de 1.0 por 1000 horas).
Tratamentos
A engenharia biomecânica visa o aperfeiçoamento de técnicas cirúrgicas e desenvolvimento de próteses e implantes para melhorar o tratamento de lesões.
Reconstrução de ligamentos – Ligamento cruzado anterior
A primeira descrição de um reparo cirúrgico ligamentar de joelho ocorreu em 1903. O médico inglês A. W. Mayo Robson relatou um caso operado oito anos antes. Após uma queda, um mineiro de 41 anos sofria com queixas de instabilidade e fraqueza em seu joelho direito. Os dois ligamentos cruzados foram suturados em suas inserções femorais. Seis anos depois, o paciente estava bem, relatando seu joelho “perfeitamente forte”. Apesar do relato do médico que o joelho estava “perfeitamente forte” a técnica teve de evoluir quase 90 anos para alcançar o que entende-se hoje como padrão de cirurgia para reconstrução do ligamento cruzado anterior[6]. Hoje, a cirurgia é realizada de maneira artroscópica, pois é menos invasiva e realizada por pequenos cortes. A vantagem desta técnica menos invasiva inclui menos dores, menor tempo no hospital e também de recuperação. Atletas envolvidos em esportes de agilidade voltam à prática do esporte rapidamente com o devido acompanhamento, pós-cirúrgico que incluem, inicialmente repouso, fisioterapia, e musculação para o fortalecimento dos músculos ao redor do joelho. Em 95% dos casos cirúrgicos retomam suas atividades esportivas em seis a 9 meses.[7]
A técnica consiste em remoção do ligamento rompido e reaproveitamento da sessão intacta para realização do enxerto. Um canal é feito entre a cabeça tibial e o côndilo femoral. Através de canal é introduzido o enxerto suturado, esse tensionado e fixado através de parafusos com arruelas dentadas, ou botões de titânio, ou parafusos bioabsorviveis ou “amarra cachorro”.[8][9]
Fratura
O corpo humano tem capacidade de regeneração óssea, dependendo do grau de fratura e alinhamento, a simples imobilização é o suficiente. Porém, alguns casos podem exigir cirurgias, como de fratura ser exposta, ou que o alinhamento não pode ser feito de forma externa devido a devido a obstrução de um tendão ou que os músculos puxem e impeçam o alinhamento, fraturas muito próximas as articulações, ou das quais os fragmentos estão muito próximos a artérias ou nervos, ou ainda a qual deseja-se abreviar o tempo de recuperação do paciente. Nos casos cirúrgicos os fragmentos são fixados no lugar usando uma combinação de fios metálicos, pinos, parafusos, hastes e placas. Por exemplo, as placas metálicas podem ser moldadas conforme necessário e fixadas ao exterior do osso com parafusos. Barras metálicas podem ser inseridas a partir de uma extremidade do osso para o interior do osso (intramedulares). Essas ferragens são fabricadas em aço inoxidável, em liga metálica de alta resistência ou em titânio[10].

Fonte: https://medicinaortopedica.com/2019/08/26/material-ortopedico/
Lesões labrais e meniscais
São rupturas que ocorrem no labrum, região que retem o liquido sinovial, no quadril, ou no menisco, região cartiloginosa que quando lubrificada permite a rotação do joelho. Em caso de colisões ou até degeneração mecânica devido ao desequilíbrio do corpo o labrum ou o menicos pode apresentar lesões.

Fonte: https://institutofuchs.com.br/lesoes-no-quadril/

Fonte: https://meujoelho.com.br/lesao-meniscal/
Os sintomas dessa lesão podem ser amenizados através de reforço muscular através de fisioterapia e implementação de analgésicos. Quando o tratamento não cirúrgico não surge efeito é feito uma cirurgia de sutura do labrum ou do menisco.
O labrum é suturado através da implantação de ancoras de fixação no quadril. O menisco por sua vez é suturado apenas com o uso de fio cirúrgico.

Fonte: https://institutofuchs.com.br/lesoes-no-quadril/

Fonte: https://adrianoleonardi.com.br/artigos/tecnica-sutura-pode-salvar-menisco-lesionado/
Recentemente fizemos uma postagem comentando sobre o estudo no LEBm de técnicas de sutura de menisco. Confira aqui.
Artroplastia total
Em casos de a artrose da articulação, alguns medicamentos podem ser implementados e tratamentos podem ser feitos, porém, dependendo da gravidade do caso, opta-se por uma artroplastia total da articulação.
De acordo com Siebert [11], há literatura suficiente disponível para sugerir que a participação segura em uma série de atividades esportivas é possível após a artroplastia de quadril. Geralmente, os esportes de baixo impacto são preferidos. Alguns argumentam que o carregamento adequado do implante e do estoque ósseo circundante são benéficos para a longevidade de implantes encravados bem fixados, enquanto melhoram a função do sistema músculo-esquelético como um todo. Esses benefícios superam os possíveis efeitos negativos, como o aumento do desgaste da superfície da articulação.

Esportes autorizados, autorizados caso esportista tenha experiencia, sem consenso e não recomendado e suas mudanças entre 1999 e 2005. Fonte: C. H. Siebert, “Hip replacement and return to sports,” Dtsch. Z. Sportmed., vol. 68, no. 5, pp. 111–114, 2017, doi: 10.5960/dzsm.2017.268.
Como exemplo de pessoas que optaram pela artroplastia para manter a rotina esportiva, comentamos o caso do atleta amador Michael Rix. Michael começou a correr em 2004 e até 2014 estava participando de maratonas e provas de ironman, porém, o esforço repetitivo sobre a articulação lhe causou uma artrose e que levaria ao fim de sua vida esportiva. No entanto em 2015, ele se submeteu a uma cirurgia de artroplastia de quadril e 12 semanas após o procedimento já estava competindo em provas de triátlon de novo[12].

https://www.express.co.uk/life-style/health/690872/Athlete-Michael-Rix-triathlon-hip-implant-health
Outro exemplo do procedimento é Patty Lane, uma americana que praticou provas de endurance a vida toda e que após constatação de uma artrose pensou que sua vida esportiva também havia acabada. No entanto após o procedimento e seis meses de recuperação, Lane estava de pé novamente vencendo sua faixa etária em um triatlo de corrida de curta distância (natação de meia milha, bicicleta de 12,4 milhas, corrida de 3,1 milhas). Desde sua cirurgia, Lane competiu em mais de 20 corridas, incluindo a Maratona da Cidade de Nova York, uma ultramaratona e vários triatlos de distâncias variadas[13].

Patty Lane em sua bicicleta. Fonte: O. Ramirez, “Competition Continues for Team USA Triathlete After Hip Surgery at UK HealthCare | UKNow,” University of kentucky news, 2017. https://uknow.uky.edu/uk-healthcare/competition-continues-team-usa-triathlete-after-hip-surgery-uk-healthcare.
Sobre o autor

M.e. Eng. Lucas Kurth de Azambuja
Lucas Kurth de Azambuja é Mestre e Engenheiro de Materiais, formado pela UFSC, especializado na área de polímeros. Também realizou intercâmbio para França na École Nationale d’ingénieurs de Saint-Étienne e estagiou na École de Mines de Saint Étinne. Desde 2017, Lucas é bolsista no Laboratório de Engenharia Biomecânica, onde realizou seu trabalho de conclusão de curso focado no estudo de degradação de implantes mamários. Posteriormente realizou sua dissertação, também no laboratório, focado na análise de insertos acetabulares após uso em in vivo. Hoje é resposável pela execução das análises poliméricas do laboratório, além de colaborar no projeto do Centro Nacional de Explantes.
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Como os implantes de joelho evoluíram?
Qual a importância da Engenharia Biomecânica?
Refêrencias
[1] J. Parkkari et al., “Active living and injury risk,” Int. J. Sports Med., vol. 25, no. 3, pp. 209–216, 2004, doi: 10.1055/s-2004-819935.
[2] Movimento Nacional de Prevenção Das Lesões No Esporto, “STOP às Lesões no Desporto.” http://www.stoplesoesnodesporto.com/index.php?module=texts&smodule=list&id=884 (accessed Aug. 04, 2021).
[3] J. R. De Oliveira et al., “PRINCIPAIS LESÕES DECORRENTES A PRÁTICA DE JUDÔ: UMA REVISÃO DA LITERATURA,” no. 2001, p. 6, 2017.
[4] D. C. Andreoli, D. F. Cunha, D. C. E. Marques, D. B. Ejnisman, and D. M. Cohen, “Quais as lesões mais comuns no Basquete? Como foram tratadas? – Instituto do Atleta,” 2019. https://institutodoatleta.com.br/quais-as-lesoes-mais-comuns-no-basquete-como-foram-tratadas/ (accessed Aug. 04, 2021).
[5] E. K. Simionato, “Lesões mais comuns em jogadores profissionais de futebol de campo,” EFDeportes.com, 2014. https://www.efdeportes.com/efd197/lesoes-mais-comuns-em-futebol.htm (accessed Aug. 04, 2021).
[6] R. Angeli, “UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE CIRURGIA DISCIPLINA DE TRAUMATOLOGIA E ORTOPEDIA A HISTÓRIA DA CIRURGIA DE RECONSTRUÇÃO DO LIGAMENTO CRUZADO ANTERIOR DO JOELHO.”
[7] A. Leonardi, “Cirurgia de reconstrução do ligamento cruzado anterior: período pós-operatório – ORTOPedia BR.” http://www.ortopediabr.com.br/reconstrucao-do-ligamento-cruzado-anterior/ (accessed Aug. 04, 2021).
[8] C. De Cotis, “PASSO A PASSO DA TÉCNICA CIRURGICA ENDOBUTTON CL,” De Cotis, Cecília, 2015. https://slideplayer.com.br/slide/3161219/ (accessed Aug. 04, 2021).
[9] W. Akl, M. Caravaggi, and C. Scalizzi, “Reconstrução artroscópica do ligamento cruzado anterior com uso dos tendões semitendíneo e grácil.,” Técnicas em Ortop., vol. 3, pp. 21–28, 2001.
[10] D. Campagne, “Considerações gerais sobre fraturas,” 2021. https://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/lesões-e-envenenamentos/fraturas/considerações-gerais-sobre-fraturas (accessed Aug. 04, 2021).
[11] C. H. Siebert, “Hip replacement and return to sports,” Dtsch. Z. Sportmed., vol. 68, no. 5, pp. 111–114, 2017, doi: 10.5960/dzsm.2017.268.
[12] https://www.express.co.uk/life-style/health/690872/Athlete-Michael-Rix-triathlon-hip-implant-health
[13] O. Ramirez, “Competition Continues for Team USA Triathlete After Hip Surgery at UK HealthCare | UKNow,” University of kentucky news, 2017. https://uknow.uky.edu/uk-healthcare/competition-continues-team-usa-triathlete-after-hip-surgery-uk-healthcare (accessed Aug. 04, 2021).